quinta-feira, 24 de julho de 2014

dossiê: clássico policial

DESEJO DE MATAR

Há 40 anos, Charles Bronson iniciava uma caçada solitária nas ruas mais escuras de Nova Iorque



  Em 1974 estreava nas telas estadunidenses e logo em seguida em todo o mundo Desejo de matar (Death Wish), filme dirigido pelo inglês Michael Winner, e que alçou Charles Bronson ao estrelato na América do norte e marcou para sempre o gênero policial, bem como o cinema físico como um todo.  Bronson vinha de uma carreira bem sucedida na Europa, onde era aclamado como astro, admirado pelo público e pela critica, tendo atuado nas produções francesas O Passageiro da chuva (Le Passager de la Pluie, 1970), Cold Sweat (1970), ou em produções italianas como Cittá Violenta (1970), e o mítico faroeste Era Uma vez no Oeste (Cera Uma volta i´l West, 1968).
  Desejo de matar surgia num momento em que a cidade de Nova Iorque enfrentava uma forte onda de violência com suas ruas e becos aterrorizados por gangues, ladrões e até estupradores e desde então e por muito tempo chegou a ser considerada a metrópole mais violenta do mundo – nesse contexto brutal, o filme acendia uma polêmica que decisivamente impulsionaria o sucesso de bilheteria, a aclamação do público e o ódio da critica especializada: a justiça com as próprias mãos. A idéia de que um cidadão comum pudesse armar-se de uma pistola e executar criminosos à noite era algo inspirador e ao mesmo tempo muito perigoso, pois não cabe ao cidadão (de nenhuma sociedade) as funções de júri, juiz e carrasco.

Michael Winner orientando Bronson


Hope Lange
  O roteiro de Death Wish foi escrito por Wendell Mayes, com base no livro homônimo escrito por Brian Garfield, romance e escritor desconhecidos até hoje pelo grande público. E como normalmente acontece, a adaptação teve algumas alterações em relação ao material original, pois o personagem principal que no livro se chama Paul Benjamim, teve seu nome alterado para Paul Kersey, e sua profissão também foi alterada de contabilista para arquiteto, mas os motivos que transformam o personagem num justiceiro são os mesmos tal como é visto no filme, o protagonista perde a esposa Joana, de maneira brutal e tem sua filha Carol violentada por 3 marginais que invadem o apartamento, respectivamente interpretadas por Hope Lange e Kathleen Tolan numa cena revoltante que chegou a provocar escândalo na época de lançamento do filme. Carol ficou em estado catatônico e após ser medicada teve de ser encaminhada à um hospital psiquiátrico para a tristeza de seu pai Paul e de seu marido Jack Toby, interpretado por Steven Keats.

Kathleen Tolan









Jeff Goldblum a esquerda
  É interessante notar que no trio de jovens marginais que atacam as mulheres há um ator em início de carreira que mais tarde, na década de 80 tornaria-se um astro por sua interpretação no grande sucesso A Mosca (The Fly, 1986), Jeff Goldblum, à época com 22 anos de idade.




A adaptação para as telas

  O livro apesar de não ter grande sucesso nas vendas, chamou a atenção de dois produtores de cinema, Hal Landers e Bobby Roberts, que em 1972, mesmo ano de lançamento do livro, compraram os direitos para uma possível adaptação às telas do cinema, e a obra encontrou um caminho certeiro nas mãos do cineasta Michael Winner, do lendário produtor Dino De Laurentis e dos estúdios United Artists, únicos a se interessarem pelo projeto.


 Consta que também foi um grande problema encontrar o ator certo para o papel que foi recusado por atores bem mais cotados na época como Steve McQueen, Clint Eastwood e até o cantor Frank Sinatra - e também Henry Fonda que chegou a considerar o papel como "repulsivo". Felizmente, Bronson aceitou o papel após ler o roteiro que Winner lhe ofereceu não à toa, pois o ator já havia trabalhado com o diretor anteriormente em 3 ótimos filmes, Renegado Impiedoso (Chato´s Land, 1972), Assassino a preço fixo (The Mechanic, 1972) e Jogo Sujo (The Stone Killer, 1973). Portanto, Death Wish concretizou a continuidade da ótima parceria entre o diretor e o ator.

Kersey ganha de presente de um amigo uma pistola 
Colt Positive. 32, durante uma viagem ao Arizona

  Bronson, à época com 52 anos de idade foi a escolha mais do que certa para o papel e ao contrário dos atores citados no parágrafo àcima ainda não era um astro para o público de seu país, sendo apenas um ator popularmente conhecido pelos bons filmes que fizera recentemente em Hollywood, além dos filmes europeus que não atraíam muito a atenção das platéias norte-americanas. Era chegada então a hora de Charles Bronson brilhar intensamente nas telas de seus país.


  Embora Death Wish tenha marcado o ator para sempre como um sujeito eternamente "durão", Bronson era bastante versátil e tinha um bom domínio de interpretação como já demonstrara anteriormente no obscuro filme francês Alguém atrás da porta (Quelqu'un derrière la porte /  Someone behind the door, 1971) e em The Bull of the West (1972), um western dramático feito para a Tv. E o ator interpretou correta e humanamente, mesmo sem muito esforço, a gradativa transformação de um cidadão comum e pacifista em um justiceiro frio e cada vez mais sanguinário - lembrando sempre que Death Wish não é exatamente um filme de ação, mas sim, um drama policial.

A repercussão

   A adaptação para as telas foi um grande sucesso de público com renda de mais US $ 22 milhões nas bilheterias para um orçamento de apenas US $ 3 milhões, segundo consta no IMDB. Contudo, o filme provocou bastante polêmica devido ao delicado tema e muitos críticos de cinema atacaram duramente a obra, inclusive rendeu críticas negativas do jornal The New York Times, mas também rendeu respostas inteligentes como a do carismático ator Vincent Gardenia: "Eu não aprovo o vigilantismo, mas também não aprovo que os marginais levem a melhor".
  No filme, Gardenia interpreta Frank Ochoa, o detetive que persegue Kersey para tentar desencorajá-lo. Afinal,  o trabalho do vigilante estimulou vários outros cidadãos comuns a se defenderem de modo que o crime reduziu cerca de 50% nas ruas da cidade, conforme revelava as estatística da imprensa e assim o vigilantismo ganhava cada vez mais força preocupando a polícia e também o prefeito de Nova Iorque.

No filme, o Inspetor Ochoa investiga os passos do vigilante 
e o persegue para atender ao pedido que o prefeito lhe fêz
pessoalmente: "assuste ele" 

  Convém lembrar que este clássico pertence à agitada década de 1970, período de grandes discussões e profundas transformações sociais, algo que refletiu, e muito nas telas do cinema. Desejo de matar nasceu polêmico e como tal, provocou debates e discussões como tantas outras obras setentistas, como o clássico absoluto do horror O Exorcista (1973), por sinal estreado no anterior, ou o complexo Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), até hoje muito discutido, só para citar dois grandes exemplos de obras polêmicas.
  O sucesso de Desejo de matar gerou uma febre de vários filmes de justiceiros, o que não deixa de ser admirável embora o tema "justiça com as próprias mãos" nem fosse algo totalmente novo, já tendo sido abordado nas décadas anteriores em westerns e alguns thrillers. O que explica o enorme sucesso de Death Wish é o fato de o público ter se identificado rapidamente com o personagem Paul Kersey, um cidadão até então pacifista que após ter a família vitimada pela violência urbana resolve agir por conta própria a fim  de tentar reduzir a criminalidade em sua cidade.



  Entretanto, é bom notar que o filme não retrata Paul Kersey como um herói, mas sim um anti-herói que aos poucos se torna tão frio e violento quanto os marginais que ele caça. Mas infelizmente grande parte do público o viu como uma espécie de herói revolucionário, um sujeito acima da lei com motivos o suficiente para sair matando todos os criminosos que encontra pela noite. E este pensamento do público se estende até os dias atuais, pois em 2007 aqui no Brasil a platéia aclamou o Capitão Nascimento do filme Tropa de Elite como um grande herói e não como o personagem complexo que Wagner Moura interpretou tão bem.

  Dentre várias cenas memoráveis destaca-se uma cena filmada nas escadarias de um parque, quando Kersey ao descer os degraus é abordado por 3 ladrões, um no alto da escada e mais dois no final dos degraus, e então travam um tiroteio e logo em seguida uma perseguição que leva aos momentos finais do longa. Numa das primeiras caçadas Kersey salva um sujeito desconhecido em um beco, matando 3 assaltantes. Um dos bandidos é interpretado por um desconhecido Denzel Washington com apenas 19 anos de idade e em pleno início de carreira.


  Até hoje o filme gera discussões polêmicas e há até quem acuse a obra de "racista", pois boa parte dos criminosos que Paul Kersey mata são negros. Entretanto, o roteiro do filme não foge da discussão sobre racismo e em certo momento numa cena que mostra uma importante festa, aparece um casal discutindo a respeito das ações do vigilante, de modo que o homem diz que: "vou lhe dizer uma coisa, o cara é racista. Já reparou que ele matou muito mais negros?", e a moça rapidamente responde: "Pelo amor de Deus! Existem muito mais assaltantes pretos do que brancos! O que vc queria que ele fizesse?! Que aumentasse os assaltantes brancos pra termos uma igualdade racial?". Porém, se o filme propõe que criminosos não tem cor, isto fica a cargo da interpretação do espectador.
  Como ocorre com muitos filmes de sucesso, Desejo de Matar inevitavelmente virou franquia ganhando uma sequencia mediana no ano de 1982, e anos depois mais três sequencias desnecessárias e até desprezíveis que infelizmente chegam a ofuscar o brilho do primeiro filme que deveria ser único, e o personagem que Bronson compôs tão bem originalmente, transformara-se num mero e descartável anti-herói de ação.
  Death Wish nunca foi refilmado, exceto se considerarmos que um certo thriller policial intitulado Valente (The Brave One, 2007), estrelado pela atriz Jodie Foster e dirigido por Neil Jordan trata-se de uma refilmagem disfarçada, trocando Paul Kersey por uma mulher chamada Erica Brain, e que resolve caçar criminosos à noite, também na cidade de Nova Iorque, após perder o noivo de forma violenta, inclusive com direito a uma cena que se passa no vagão do metrô, muito parecida com a cena do filme de Michael Winner.

  Em 2008, quando estreou nos cinemas Rambo IV, Stallone chegou a dizer em entrevistas que tinha interesse em refilmar Death Wish, ambientado nos dias atuais. Felizmente o interesse de Sly ficou só na promessa, pois refilmar uma obra tão enraizada na década de 70 seria algo muito arriscado - afinal, atualmente Nova Iorque já não é uma das cidades mais violentas do mundo e ambientar tal história em outro lugar poderia não surtir o mesmo efeito. E para todos os efeitos, desde que Paul Kersey resolveu fazer caçadas noturnas 40 anos atrás, os becos e ruas escuras jamais foram os mesmos. (R.A.)

TRAILER




Desejo de matar - Death Wish, 1974

Roteiro: Wendell Mayes

Direção: Michael Winner

Elenco: Charles Bronson, Hope Lange, Kathleen Tolan, Steven Keats, Vincent Gardenia


2 comentários:

  1. Lembro bem a primeira vez que vi esse filme no Corujão à uns anos atrás pela primeira vez, eu tenho só 25 anos, então nem cheguei a viver os anos 80 ou muito menos os anos 70 pra entender a temática do filme de uma forma que eu me identificasse, conheci Charles Bronson através de Era uma vez no Oeste e pelo que meu pai falava, "ele explodia marginais com uma escopeta". Já olhei todos os "Desejo de matar", mas o que constrói bem o personagem ou o desconstrói, já que é um anti-herói é esse primeiro filme. Apesar de curto e com bastante pontas soltas, o arco de transformação do personagem ao longo do filme é extremamente bem feito. Filme recomendadíssimo.

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    1. É isso aí Cristian, se vc apreciou Desejo matar numa sessão do corujão, pode se considerar privilegiado, rsrs. E que bom que vc descobriu ou está descobrindo quem foi o ator Charles Bronson, e já que vc viu Era uma vez no Oeste, então vc teve mais privilégio ainda para um fã de cinema tão jovem. Bronson foi muito mais que um sujeito durão e é uma pena que muitos não saibam disso. Recomendo que vc assista outros filmes dele que citei neste dossiê e outros que resenhei aqui no blog.
      Grande Abraço!!

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